Durante as avaliações dos trabalhos de Conclusão de curso ao fim do primeiro semestre de 2021 do curso de Direito, dois alunos que escolheram a FESP para cursar a segunda graduação se destacaram: Isabela Simões Bueno e Pedro Manenti. Egressos do curso de Filosofia da Universidade Federal do Paraná, ambos conquistaram a nota máxima de suas respectivas bancas de avaliação.

Seja pela busca de uma melhor posição profissional ou pela vontade de obter novos e/ou complementares conhecimentos, a segunda graduação certamente tem como marca a maturidade e a consciência daqueles que já trilharam antes o caminho da graduação. Iluminar essas experiência nos interessa no sentido de destacar qualidades úteis a todas alunas e alunos que estão, passo a passo, nesta trilha que leva ao conhecimento e, consequentemente, ao diploma acadêmico.

Isabela Simões Bueno

“O Direito entrou em minha vida primeiramente como um estudo complementar às minhas pesquisas na área da Filosofia Política. Enquanto desenvolvia estudos acerca da constituição dos Estados nacionais e das tecnologias de poder, senti a necessidade de compreender com maior detalhamento e propriedade o aspecto jurídico e o arcabouço legal que contribuíram para a construção do modo como entendemos a política atualmente. Durante a realização do curso, porém, percebi que o Direito poderia ser mais do que isso”, conta Isabela Simões Bueno, que além de formada em Filosofia, é mestranda em Filosofia pela UFPR – clique aqui e confira alguns artigos de autoria de Isabela.

É notável em Isabela uma consciência sobre a interdisciplinaridade, sobre as conexões entre o Direito e a Filosofia. Interessante que neste sentido, sua trajetória tem início no curso (Filosofia) que traz em sua natureza o estudo das ideias, da análise do estar no mundo e do ser, para então entrar no Direito, que aproveita todo o arcabouço filosófico para uma aplicação prática, com impacto no cotidiano da sociedade e do sujeito. Nas palavras de Isabela:

“As aulas de Direito Constitucional e Direito Penal, principalmente, me fizeram enxergar o exercício do Direito e em especial da advocacia como uma forma de garantia dos direitos humanos e como um meio de lutar contra as opressões e injustiças sociais. Unindo o Direito à Filosofia, pude dimensionar de modo prático aquilo que estudava na teoria e desenvolvia no campo acadêmico”.

Conhecendo um pouco a história de Isabela, porém, é fácil adivinhar que o comprometimento e o foco no objetivo cobram uma determinada atitude. “Conciliar duas formações em áreas diferentes, para além da insônia e da sobrecarga, sempre me possibilitou transitar entre dois mundos que, apesar de suas frequentes intersecções, são substancialmente distintos”, conta a recém formanda no curso de Direito da FESP, que ainda nos revela um outro aspecto: o não-lugar. “Não raro tenho o sentimento de estar fadada à pertença de um não-lugar: nem aqui, nem ali; às vezes mais aqui do que ali. Para os filósofos, sou jurista. Para os juristas, sou filósofa”

Longe de ser um fardo, atualmente Isabela encara o “não-lugar” justamente como uma de suas qualidades, ressaltando a importância da interdisciplinaridade. “Creio que perambular entre os dois campos me permite compreender problemas e hipóteses que não conseguiria resolver utilizando-me apenas de uma área do conhecimento”, diz a agora egressa do curso de Direito da FESP.

Sobre a segunda graduação, Isabela concebe sua primeira escolha, a Filosofia, como “uma vocação desde os primeiros anos de minha adolescência, enquanto o Direito, posteriormente, simplesmente aconteceu”. Provocada sobre as qualidades da FESP, instituição escolhida para cursar Direito, Isabela destaca a disponibilidade dos profissionais (professoras/es e colaboradores/ras) em estabelecer um contato próximo e humanizado. “Esta não é uma característica presente em todas as instituições de ensino superior, nas quais muitas vezes o corpo docente dissocia-se do corpo discente e assume uma posição de superioridade e autoritarismo em relação às/aos estudantes. Nesse sentido, a possibilidade de diálogo com os docentes da FESP, dentro e fora de sala de aula, é o maior ponto positivo da instituição”, pondera Isabela.

Pedro Manenti

Assim como Isabela, Pedro Manenti é egresso do curso de Filosofia da Universidade Federal do Paraná, onde atualmente é aluno do mestrado do programa de Pós-Graduação em Direito, na área de concentração Direitos Humanos e Democracia – clique aqui e confira matéria publicada em 2020 sobre a aprovação nota 10 de Manenti no mestrado da UFPR.

Apesar da primeira graduação em Filosofia, sua primeira escolha mesmo foi o curso de Psicologia, curso que até cogitou na hora de escolher sua segunda graduação. Pela proximidade com a filosofia, prevaleceu o Direito, como nos explica Pedro. “Minha primeira graduação foi em Filosofia. Infelizmente, as opções profissionais para alguém com essa titulação são bastante restritas. Como há uma estreita relação entre Filosofia e Direito, me interessei pela área e agora estou completamente envolvido com isso”.

Essa complementariedade, tanto acadêmica quanto profissional, parece ser um dos fatores mais decisivos para a escolha do Direito, nos casos de Pedro e Isabela. Nas palavras de Pedro, “o curso de Direito proporciona diversos vetores de experiência, desde de o estudo da construção histórica do regramento das sociedades até o funcionamento prático de institutos do direito privado, passando por inúmeros outros assuntos e casos. Seja na pesquisa ou na profissão, a vividez dos temas é apaixonante”.

Sobre cursar Direito na FESP, Pedro já tinha destacado em outro momento sua boa relação com os professores do curso de Direito, que o apoiaram tanto em conversas sobre o projeto de pesquisa, quanto na parte pertinente ao incentivo emocional. Nesta oportunidade, Pedro destaca que a FESP “sempre manteve uma equipe de profissionais qualificados. Não somente os professores, mas também aqueles de outras equipes administrativas. Nesse sentido, sempre houve suporte e incentivo ao aprendizado e ao crescimento pessoal ao longo da trajetória na academia”.

Palavra do professor

Professor da disciplina de Sociologia do curso de Direito da FESP, Fábio Pendiuk acompanhou de perto a trajetória de Isabela e de Pedro na FESP – no caso do Pedro, ainda mais de perto, visto que Prof. Fábio foi seu orientador no Trabalho de Conclusão de Curso. Em razão desta matéria, solicitamos ao professor Fábio algumas considerações sobre ambos, que seguem abaixo:

“Isabela e Pedro sempre se destacaram nas minhas aulas pelo senso crítico, muita leitura e interesse na pesquisa científica. O trabalho de conclusão deles não poderia ser diferente. Mostraram muita habilidade no tratamento dos temas e exploraram uma bibliografia ainda reservada aos níveis stricto sensu de pós-graduação.

Atualmente, os dois decidem comigo as leituras e os rumos do Grupo de Estudos e Pesquisa Humanidades & Direito, aqui da FESP, e contribuem muito nos nossos seminários. Na última semana acadêmica, quando fiquei responsável por um dia de palestras sobre Direito, Racismo Estrutural e Necropolítica, a Isabela sugeriu e convidou os palestrantes, além de fazer uma excelente exposição do tema nos encontros da manhã e da noite. O Pedro, também, está sempre sugerindo professores, autores e eventos acadêmicos para os colaboradores do grupo de estudos. Sem dúvida, muitas contribuições ainda virão dos dois”.

Assim como o professor Fábio, nós da FESP também esperamos que tanto Isabela quanto Pedro continuem contribuindo com suas ideias, vontades e comprometimento, inspirando a todos nós na condição de alunos, professores e colaboradores!

Abaixo segue na integra duas respostas sobre perguntas relacionadas ao tema de TCC de cada um e sobre as qualidades necessárias para conquistar uma nota máxima perante a banca que avalia o trabalho de conclusão de curso, confira!

 

Duas perguntas para Isabela Simões Bueno e Pedro Manenti

Pode fazer um resumo do tema abordado em seu trabalho de TCC e dizer como a escolha do tema coincide com suas pretensões profissionais, acadêmicas e/ou pessoais?

Isabela: Meu trabalho de conclusão de curso em Direito abrangeu o campo da Criminologia – mais especificamente, a partir de um ponto de vista crítico e dos estudos étnico-raciais e de gênero. A ideia central da monografia é a tentativa de construção de uma criminologia decolonial, isto é, pensada desde os países do Sul Global, com base nas teorias propostas pelas/os autoras/es dos estudos decoloniais, e preocupada principalmente com os marcadores sociais de classe, gênero e raça de maneira interseccional. Significa dizer que nenhuma destas questões pode ser pensada de maneira isolada, tampouco sobrepondo-se a importância de uma delas em detrimento das demais: uma análise criminológica capaz de resolver os problemas que surgem nas periferias do capitalismo somente é possível quando consideramos os diversos eixos de opressão e de exercício do poder que estão em jogo em nossa sociedade.

Ao final do trabalho, pergunto a mim mesma enquanto pesquisadora e ao/à leitor/a: é possível descolonizar a criminologia? Isso porque, durante o desenvolvimento do texto, tentei ressaltar o caráter intrinsecamente colonialista no campo dos saberes criminológicos, os quais serviram e ainda servem de base para a construção de um sistema de justiça criminal extremamente punitivista e seletivo: basta analisarmos a elevada porcentagem de pessoas negras e socialmente vulneráveis em nossos estabelecimentos prisionais.

Creio ser impossível dissociar completamente a pesquisa acadêmica de nossa vida pessoal, nossos valores e nossas percepções éticas e morais. No meu caso, a luta antirracista e o combate ao patriarcado sempre foram elementos cruciais tanto na Academia quanto no meu conjunto de valores pessoais – manifestando-se em minha militância, em meus escritos e em minhas atitudes. Desta forma, trazer um olhar permeado pelas análises das categorias de gênero e raça à Criminologia dialoga diretamente com o modo como enxergo o mundo.

Pedro: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Isso é o que diz o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que credita a liberdade e igualdade de direitos a todos os humanos desde seu nascimento. Ao estabelecer regras comuns para todos os humanos, tal declaração também define o que é humano: essencialmente livre e universalmente digno. As origens dessa formulação de humano remontam ao humanismo de Cícero, no século I a.C., usado como fundamento do sistema jurídico pela primeira vez por Grócio, no século XVI-XVII e novamente reelaborado por neokantianos do início do século XX, para destacar alguns dos autores relevantes para a história do direito.

O humanismo é uma corrente de pensamento que visa definir o humano pela sua natureza, pela sua essência, de modo a conferir universalidade a este conceito. Foucault, apesar de pouco falar sobre os direitos humanos, tece várias críticas ao humanismo, às essências e aos universais. O intuito da minha pesquisa foi tentar compreender o que significa “humano” nas cartas de direitos humanos elaboradas na modernidade, a partir do olhar de Foucault e de sua concepção de sujeito.

O conceito de sujeito ao longo da história da filosofia e da história do direito é algo que me interessa há muito tempo, então desde a graduação em Filosofia voltava minhas leituras a isso e agora no mestrado em Direito ainda mantenho certa relação com a temática.

 

Pensando em uma autoavaliação, quais foram os principais fatores para obter a nota máxima no Trabalho de Conclusão de Curso?

Isabela: Sem dúvidas, a dedicação à pesquisa e à leitura desde o início da graduação foi um fator de extrema importância no momento da escrita do Trabalho de Conclusão de Curso. O Direito, assim como a Filosofia (minha primeira graduação), é um campo que demanda uma grande carga de leitura, que, ao meu ver, deve sempre ser acompanhada de um olhar atento e crítico. Os trabalhos de análise e interpretação textual, bem como a metodologia de pesquisa que aprendi durante a graduação e o mestrado em Filosofia, me auxiliaram a trazer este senso crítico e o rigor exegético necessário para a construção e sistematização de minhas pesquisas também no Direito. Portanto, para a realização de um TCC de sucesso, creio ser indispensável que a/o aluna/o dedique-se ao estudo das principais obras relacionadas ao tema escolhido de modo sistematizado e atento. Além disso, é crucial atentar-se às exigências do método científico e da escrita acadêmica para que o texto seja coeso e as ideias se desenvolvam de maneira lógica.

Pedro: Escrever um texto acadêmico longo não é algo simples, mas durante minha trajetória acadêmica sempre pude contar com o apoio dos professores, da instituição e dos colegas – o que fez diferença. Além disso, também fez diferença a experiência de escrita e de pesquisa na academia, visto que eu, assim como a Isa, já tínhamos outra graduação, na qual participamos de outros projetos de pesquisa também.