Evento debate saúde mental, desmistifica frases que ainda muito são vistas em campanhas, mas que acabam por gerar gatilhos, e reforça a importância do acolhimento às famílias enlutadas por suicídio
Nessa terça-feira (10/09), na data emblemática que marca o início da campanha Setembro Amarelo, foi realizado no auditório da FESP o evento “A Importância da Prevenção e Posvenção do Suicídio”. Ministrado pela professora Gisele Martins, o encontro reuniu acadêmicos, professores, colaboradores da FESP e público em geral interessado no tema. Composta por duas palestras, a noite trouxe à tona a relevância de ampliar o conhecimento sobre suicídio e romper o estigma que ainda cerca questões relacionadas à saúde mental.
Durante o evento, foram apresentados dados alarmantes, como o fato de que a cada 45 segundos uma pessoa tira a própria vida no mundo. Embora o número de notificações tenha aumentado desde 2011, ainda há muita subnotificação no Brasil, o que dificulta a real compreensão da gravidade do problema. A palestrante destacou que muitos estados ainda não realizam de forma adequada a atualização da certidão de óbito por causas suspeitas quando tais falecimentos se confirmam como suicídio, o que contribui para a falta de dados precisos.
Impactos culturais e a importância do autoconhecimento
Um dos pontos mais discutidos foi o impacto cultural e social na saúde mental. A dificuldade sobretudo que homens enfrentam para pedir ajuda e reconhecer que estão com problemas emocionais foi mencionada como um fator que contribui para o maior número de suicídios entre o público masculino. A pressão social sobre decisões importantes – como escolha de carreira, casamento e filhos – também foi apontada como desencadeadora de sofrimento psíquico, especialmente entre os mais jovens (com idades entre 14 e 29 anos).
O evento também enfatizou a importância de olhar para os idosos, uma vez que as taxas tendem a aumentar nesta faixa etária. E abordou o crescimento assustador dos casos de suicídio entre crianças menores de 10 anos, o que gerou reflexões sobre o que pode estar acontecendo para que crianças estejam optando por tirar as próprias vidas.
A importância do equilíbrio emocional e do autoconhecimento foi reforçada como importantes fatores de enfrentamento, destacando que saúde mental não é apenas a ausência de doenças, mas sim o equilíbrio entre o bem-estar físico, mental, social e espiritual.
A palestra chamou atenção para os fatores de risco e proteção, destacando a necessidade de desenvolver o autoconhecimento para identificar sinais de alerta e procurar ajuda. É fundamental compreender que o suicídio é multifatorial e que cada caso é único, sendo impossível generalizar as causas ou abordar o tratamento de forma simplista.
Frases motivacionais como “tudo vai dar certo” ou “se precisar, busque ajuda” foram questionadas, pois muitas vezes não são eficazes para pessoas em sofrimento psíquico. Ao invés disso, a escuta atenta e o acolhimento foram indicados como as melhores formas de ajudar alguém que esteja passando por um momento extremo.
Posvenção ao suicídio
Na segunda parte do encontro, foi abordada a importância de ações de acolhimento aos enlutados por suicídio – a chamada posvenção. Gisele reforçou que o “Luto é um processo natural e esperado, por rompimento de algo importante e contra a sua autorização”. Portanto não se deve calar o luto ou esperar que ele passe por fases predefinidas até findar.
“Luto não tem tempo, ele não tem fim. O que acontece é que a pessoa aprende a lidar com ele, a ressignificar. E o processo pode demorar mais frente a um suicídio, tornar-se o chamado luto complicado”, alertou a professora. Não à toa, os enlutados por suicídio são considerados por especialistas em tanatologia como sobreviventes.
Martins trouxe o alarmante dado de que atualmente calcula-se que no mínimo 135 pessoas são impactadas por um suicídio. Número que pode aumentar significativamente no caso de pessoas públicas. É preciso um olhar especializado por estes sobreviventes.
Parte importante do processo é entender que quem não é profissional de saúde capacitado, tentar trazer respostas simples ou receitas de internet para um problema que é complexo como o suicídio é contraproducente e perigoso.
Perguntas como: “você não viu?” “Ele não deu nenhum sinal?” “Ela não falou nada?” ou afirmações como: “você tem que ser forte agora, pois tem outros filhos” enfatizam a culpa e o remorso, que já são um alto fator de risco nas pessoas impactadas pelo suicídio de um ente querido. Os enlutados já vivem a busca incessante do porquê. E não se pode esperar uma resposta saudável, porque não tem. O suicídio é sempre um misto de vários fatores (multifatorial) e que surge em uma alta intensidade de sofrimento.
“Suicídio é o último grau de sofrimento, a última estância. Se você tem coisas mal resolvidas, procure ajuda, trate o quanto antes”, aconselhou Gisele.
Glauber Higa Kaio, vice-presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria, parabenizou o evento e em especial a palestrante. “É uma área onde a Professora Gisele Martins é uma profissional de ponta. Nada melhor do que vir aqui atualizar, aprender mais e poder disseminar esse conhecimento. Quanto mais a gente puder levar essa informação para as pessoas, menor o preconceito, menor o estigma e mais pessoas vão ser incentivadas, cada vez mais, a procurar ajuda. Todo tratamento mais rápido melhora o prognostico e o curso da doença”, considerou.
A noite finalizou com uma impactante representação artística promovida pelos alunos dos primeiro, segundo e sexto períodos de psicologia, ao dar voz a personagens que já passaram por ideação suicida, o que trouxe muita emoção ao público. A noite findou com a música do cantor brasileiro Frejat, Amor para Recomeçar.
Como procurar ajuda
Ao encerrar o evento, os organizadores ressaltaram a importância de continuar promovendo conversas sobre saúde mental ao longo do ano, não apenas no Setembro Amarelo, e reforçaram os contatos de serviços de apoio, como:
- o Centro de Valorização da Vida (CVV): 188;
- Serviços públicos, como as UBS e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferecem atendimento gratuito para pessoas em sofrimento emocional. Os centros estão localizados em várias cidades do Paraná, bem como em diferentes regiões de Curitiba, e estão capacitados para fazer o atendimento emergencial e o direcionamento para o atendimento especializado;
- Além de grupos de apoio, como: abrases.org.br/grupos-de-apoio, pibcuritiba.org.br/aconselhamento-luto, o Instituto Vita Alere e o canal de escuta para jovens podefalar.org.br.
A mensagem final foi clara: a prevenção ao suicídio exige o envolvimento de toda a sociedade, desde profissionais de saúde mental até amigos, familiares e colegas. Ao promovermos um ambiente de acolhimento e respeito, podemos contribuir para que mais pessoas se sintam seguras para buscar ajuda especializada e encontrar novas formas de lidar com seus desafios.
O coordenador do curso de psicologia da FESP, Bruno Pereira, enfatizou a importância de promover temas como esse. Ele destacou o interesse e participação dos alunos, não apenas de psicologia, mas dos demais cursos da FESP. “A gente consegue perceber o quanto esse tema é complexo, sério e que bom estar promovendo esse debate. Foi muito feliz que a nossa autorização para o funcionamento do Serviço-Escola casou com essa data tão emblemática. Estamos oferecendo serviço para alunos e funcionários aqui da FESP, mas também para toda Curitiba e região metropolitana. Indivíduos que precisarem de atendimento psicológico e presencial podem contar com a FESP”.
Daiane Marques, aluna do segundo período de psicologia, compartilhou a satisfação em ver a professora Gisele abordar o tema para um público ainda mais amplo. “Ela domina muito o tema, já mostra isso em sala de aula e este é um tema de muito carinho para ela, e que ela faz com muita responsabilidade”. Vinicius Magnefer, acadêmico do primeiro período, reforçou o interesse dos alunos em ambas as palestras. “É um tema que a gente às vezes ouve bem por cima, e achei muito legal a didática e a profundidade que a professora trouxe. A gente ficou muito atento, porque tinha muita informação tanto visual quanto bem explicada sobre o assunto. Muita gente voltou no intervalo querendo saber mais, causou mais interesse ainda saber como é a posvenção”.
A professora Gisele por fim ressaltou que a experiência foi muito diferente no sentido de abranger um grande público. “A gente aprende detalhadamente todos os fatores de risco e o que um psicólogo precisa estar atento ao fazer o atendimento. Mas para fazer a palestra a um público mais amplo, a gente tem que pensar em não gerar gatilho, mas gerar reflexão sobre o que fazer se a pessoa perceber que não está bem”, evidenciou.
Gisele por fim ressaltou a importância de revermos pontos da cultura brasileira que possam retardar a ajuda. “As pessoas por vezes não conseguem mais diferenciar o que é uma coisa simples de algo grave. Se potencializa algo que a pessoa poderia resolver sozinha e minimiza-se algo grave que a pessoa possa estar sentindo por conta de que vira chacota, memes, e aí se fortalece o preconceito e a pessoa não procura ajuda”, exemplifica. A expectativa dela é que a palestra tenha contribuído para ampliar a reflexão e responsabilidade do público em geral sobre o cuidado a abordar esse e outros temas de saúde mental.
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Redação e fotos: Larissa Moutinho – ACCIO Comunicação