Grupo de Estudos em Direitos Humanos da FESP debate “As Origens do Totalitarismo” e os impactos da Inteligência Artificial na sociedade contemporânea
Num mundo em que a inteligência artificial molda cada vez mais decisões, comportamentos e até crenças, o Grupo de Estudos em Direitos Humanos da FESP propôs um diálogo entre passado e presente ao discutir a obra As Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt, sob a ótica dos desafios contemporâneos trazidos pela IA.
O encontro, realizado em formato de roda de conversa, partiu da provocação: “É correto afirmar que os direitos humanos são inerentes ao ser humano e que isso já é suficiente para garantir sua proteção e dignidade?” A questão ecoa uma das teses centrais de Arendt, para quem a simples existência de direitos formais não protege, por si só, contra a barbárie — especialmente em tempos de crise institucional e manipulação ideológica.
Arendt e a atualidade da máquina
Publicado em 1951, o livro de Arendt é um clássico do pensamento político moderno. Nele, a filósofa alemã examina como regimes como o nazismo e o stalinismo floresceram a partir do esfacelamento de instituições democráticas, da propagação de ideologias totalitárias e da negação da verdade objetiva. Os participantes do grupo buscaram atualizar essas ideias frente ao avanço das tecnologias algorítmicas.
“Só dizer que alguém tem direitos não basta”, resumiu um dos integrantes, ao comentar como o ideal de direitos humanos pode ser esvaziado por estruturas que desumanizam, automatizam e invisibilizam o indivíduo.
IA
Entre os temas debatidos, destacaram-se:
-Desinformação algorítmica: sistemas de IA que promovem bolhas de informação, reforçando crenças falsas e criando realidades paralelas — em tudo semelhantes aos mecanismos de distorção da verdade descritos por Arendt.
-Vigilância em massa: a coleta e o uso de dados por empresas e governos para monitorar comportamentos, muitas vezes sem o consentimento ou o conhecimento dos cidadãos.
-Desumanização decisória: o risco de delegar a algoritmos decisões em áreas sensíveis como justiça, saúde e segurança, eliminando o julgamento humano e a consideração dos contextos sociais.
-Burocracia tecnológica: o perigo de uma “lógica automática” que reproduz desigualdades e exclui o debate ético — um eco do que Arendt chamou de banalidade do mal, quando ações desumanas são realizadas por indivíduos que apenas “cumpriam ordens”.
IA como fenômeno político
“A máquina que influi sua lei é meio que um zero e um. Ela não pensa. Ela pode ser manipulada por quem a alimenta”, alertou um participante, sintetizando o medo de que a IA seja utilizada não como ferramenta de emancipação, mas de dominação.
O grupo refletiu ainda sobre a possibilidade de a IA reforçar desigualdades estruturais, promovendo exclusões automatizadas, principalmente entre populações vulnerabilizadas — uma espécie de “totalitarismo digital”, em que a opressão se dá não pela violência física, mas por meio de códigos e sistemas opacos.
Um espaço de formação crítica
Com encontros quinzenais, o Grupo de Estudos em Direitos Humanos da FESP busca fomentar debates interdisciplinares sobre temas cruciais da vida contemporânea, sempre com foco na promoção da dignidade humana. A discussão sobre Arendt e a IA evidencia a urgência de pensar os direitos humanos não como abstrações filosóficas, mas como instrumentos vivos de resistência frente às novas formas de controle e exclusão.
Num século em que algoritmos tomam decisões antes feitas por pessoas, revisitá-los à luz de pensadoras como Hannah Arendt pode ser mais do que um exercício acadêmico — pode ser uma necessidade democrática.
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